Os executivos tendem a ser mais mentirosos, e talvez isso seja até necessário em um tempo em que relacionamentos e inovação são tão importantes. Mas o fato é que as mentiras são descobertas cada vez mais rápido e minam o crucial ativo da confiança
Todos nós mentimos ou criamos fantasias. No Brasil da Operação Lava-Jato, no entanto, o assunto nunca esteve tão quente. O fato, segundo dados publicados em um blog da revista The Economist, os homens e mulheres de negócios mentem mais do que a média da população. Um estudo revelou que 56% dos norte-americanos que cursam mestrado em administração de empresas admitiram ter mentido. Índice 10% superior ao encontrado entre os que cursam mestrados em outras áreas e que também assumem ter trapaceado em algum momento.
Lá fora é muito conhecido o caso de Scott Thompson, ex-CEO do Yahoo, que ficou no cargo apenas quatro meses, pois mentiu sobre sua formação. Ele afirmou que era graduado em contabilidade e ciências da computação, mas apenas o primeiro título era autêntico.
No Brasil, recentemente houve grande repercussão em relação à empreendedora Bel Pesce e seu currículo. Mantras da gestão como “nossos funcionários estão em primeiro lugar”, “nossos clientes estão em primeiro lugar”, “essa foi uma decisão muito racional”, “as promoções aqui são meritocráticas” muitas vezes são mentiras, embora talvez sejam ambições verdadeiras.
O psicólogo social Dan Ariely, autor de A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade, e professor de economia do comportamento na Fuqua School of Business da Duke University, Durham, Estados Unidos, passou anos estudando as motivações da mentira e da trapaça.
“A desonestidade tem uma natureza paradoxal. Mentimos para tirar vantagem, no entanto, continuamos tendo uma visão positiva de nós mesmos. Ou seja, achamos que algumas armações são inofensivas e até necessárias.
Por exemplo, se um estudante guardar Coca-Cola e dinheiro em sua república, o refrigerante tende a desaparecer muito antes que o dinheiro, pois os integrantes deste grupo não gostam de ser vistos como ladrões, mas estão sempre com sede”, compara Ariely para exemplificar nosso complexo parâmetro sobre as desonestidades permitidas e as proibidas.
O autor sustenta que a maioria das pessoas está propensa a mentir porque, apesar de querer parecer honesta, também gosta de desfrutar das pequenas vantagens advindas de mentirinhas que ressaltam as qualidades e encobrem os defeitos.
Ou seja, segundo essa visão, algumas inexatidões não fazem mal a ninguém. É mesmo?
Mentiras prejudicam; encurte suas pernas
Não, não é. Na era digital, mais cedo ou mais tarde a verdade vem à tona, com o Google, os smartphones e as redes sociais, apagar o rastro da mentira está a cada vez mais difícil. E, quando isso acontece, os efeitos são devastadores para quem mentir. O nível de tolerância à mentira é cada vez menor, segundo as mais diferentes pesquisas.
Hoje, desde a regulamentação da Lei Sarbanes-Oxley, nos Estados Unidos, em 2002, a qual criou mecanismos para vigiar a conduta das empresas presentes na bolsa de valores, os CEOs e os diretores financeiros são responsáveis legais em caso de divulgarem resultados fraudulentos sobre suas empresas (vide os casos da Enron e da WorldCom): se mentirem podem ser condenados a até 10 anos.
De acordo com Ariely, há algumas estratégias simples que podem ajudar os executivos a não cair em tentação, tais como criar códigos de honra, gerar mais mecanismos de supervisão e, especialmente, trabalhar com os incentivos adequados e os castigos corretos.
O paradoxo
Sim, há um paradoxo, porque em tempos complexos não há nada tão simples. Se pensarmos que para inovar, muitas vezes, é preciso quebrar regras e isso pode ser interpretado como trapaça, como um movimento de Pinóquio.
O outro ponto é que os relacionamentos são considerados uma vantagem competitiva cada vez maior e, como diz David Livingstone Smith, autor de Por que Mentimos: os fundamentos biológicos e psicológicos da mentira, faltar com a verdade às vezes é obrigatório para o cultivo do relacionamentos, seja de empregados e empregadores, seja de empresas e clientes, seja de e casais, pais e filhos, governos e cidadãos.
8 mentiras corporativas óbvias
O autor norte-americano Walizard, conhecido por satirizar o meio corporativo, elencou no livro How to Steal Your Boss’ Job o que seriam os paradigmas de mentira das empresas. Vale a observação do consultor brasileiro Fábio Steinberg de que o livro se concentra demais nas mentiras em relação aos funcionários, e de menos na mentiras em relação ao mercado e aos reguladores. Além disso, a necessidade de ser engraçado, que é o estilo do autor, às vezes sacrifica questões importantes.
1 – Você está sendo desenvolvido, preparado para uma promoção. Segundo Walizard, trata-se de uma mera manipulação das pessoas. Nem todos podem ser promovidos; não há cargos suficientes e o trabalho de base é necessário.
2 – Cursos e certificações são vitais para quem quer ocupar posições mais altas. Essa é, de acordo com Walizard, uma desculpa para a empresa promover quem ela escolheu e evitar o motim dos não promovidos.
3 – A função de recursos humanos (RH) existe para ajudar você. Negativo, diz Walizard. Há um conflito de interesses de lealdade do RH, ele é leal com a empresa ou com o funcionário? Com a empresa – sua missão é evitar que a empresa seja processada pelos empregados.
4 – Valorizamos o equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida. Essa, então, é uma mentira esfarrapada segundo o satírico autor. Toda empresa quer maior resultado e menor custo, e qualidade de vida não contribui para isso à primeira vista.
5 – Seu líder está do seu lado. Geralmente, isso não acontece, segundo Walizard, porque a razão de existirem líderes na vida real é para eles vigiarem os funcionários, fazendo-os ser produtivos. Como eram os feitores de escravos, se pensarmos bem.
6 – Preferimos promover gente nossa. A maioria das empresas pensa o contrário: é mais seguro contratar gente de fora, já testada e com muita experiência acumulada, do que correr o risco com alguém que não sabe fazer aquilo ainda. A prata da casa não é tão valorizada como dizem.
7 – O melhor caminho para você ascender na carreira é seguir os bem-sucedidos. Isso geralmente não acontece porque os bem-sucedidos não querem ninguém em seu pé – quem sobe nos degraus hierárquicos pode nutrir o apoio alheio durante um tempo por conveniência, mas depois não quer saber de carregar peso.
8 – Você pode confiar em seus colegas e agir de modo colaborativo. A competição é feroz, até entre amigos que trabalham juntos, seja competição por bônus, por recursos, por cargos. E o pior é que os colegas conhecem suas vulnerabilidades, como lembra Walizard.
Florência Lafuente